A sala estava silenciosa, a não ser pela música suave, vinda do rádio ligado. A sala estava silenciosa, o silêncio que só é possível quando se tem duas pessoas juntas.
Contudo não se tratava da calma afetiva de amantes, mas a serenidade da decepção que tinha como fundo a música, que apagava o passar do tempo; o ruído de uma vagarosa disputa.
Estavam lendo - ela sentada em sua poltrona de braços, ele na dele. Ele colocou o livro aberto sobre o colo, para encher seu cachimbo. Ela tossiu, quando a fumaça a alcançou.
– Você precisa, fumar esta coisa? – ela pergunta.
– Eu gosto. - ele responde.
– Outros homens fumam tabaco. – ela completa.
– Eu fumo o que posso pagar.
– Barato! Ela queixou-se. 'Barato, barato! Desde que fui tola o bastante para me casar com você, tem sido assim, tudo tem que ser barato! Um apartamento barato numa cidade barata. Comida barata. Bebidas baratas. Roupas baratas. Um carro barato ...
– Nós vivemos na medida das nossas posses.
– Se fosse apenas uma questão de coisas materiais eu não me importaria tanto, mas você é uma pessoa barata. Seu gosto para filmes é barato, seu gosto para música. E seu gosto para livros...
– Não é barato... – ele disse de súbito.
– Ah, não? Barato e adolescente, eu diria. Deixe-me ver. -Levantou de sua poltrona, agarrou o livro dele, leu em tom de escárnio: 'Foguetes do Amanhã. Vai me dizer que isso não é coisa barata?
– Não é. É uma boa antologia.
– Escapismo barato.
– Não é escapismo. Quantas vezes tenho que dizer a você, que a boa ficção científica não é escapismo – não posso dizer o mesmo sobre os romances históricos que você lê.
– Não é escapismo? Foguetes na lua, homens verdes de Marte, discos voadores...
– É a boa Ficção Científica. Ela lida com problemas que homens e mulheres precisarão encarar algum dia. Talvez em breve, quem sabe.
– Certo. – Ela disse. – Vou deixar você continuar tentando me convencer. Você parece estar na metade de uma história chamada "Julgamento de Eva". Do que se trata?
– Você deveria ler'. Ele disse. 'É muito boa.
– Ler este lixo! Me diga do que se trata, é tudo que eu quero saber.
– Tudo bem. O autor assume que o sol está perto de se tornar uma Nova, o que significa é claro, que a Terra e todos seus habitantes serão incinerados. O povo já foi avisado sobre o que está prestes a ocorrer. A história trata de como homens e mulheres passam suas últimas horas de vida.
– Ah, isso é muito útil. Suponho que depois de ler, você estará bem preparado para uma emergência deste tipo. Agora me diga, o que você faria se soubesse que o mundo acabaria amanhã?
Ele encheu novamente o cachimbo. Sobre a pequena chama, mirou sua esposa.
– Deixe-me voltar ao meu livro. – pediu.
– Ah não, não até que responda a minha pergunta. O que você faria?
– Depende...
– Depende do que? Uma resposta tipicamente evasiva. Depende, eu suponho, se você tem ou não tem habilidade e conhecimento para construir uma nave espacial para escapar para Marte ou Júpiter ou para onde quer que as pessoas estão fugindo, nesta sua história estúpida. E você ainda tem a coragem de dizer que não é escapista? Vamos, me responda!
– Com tempo, uma nave poderia ser construída.
– Mas não por você.
– Não.
– Então, o que você faria?
– Me deixe em paz. – resmungou.
– Por que eu deveria? Você sempre diz que não conversamos mais e agora que eu me desvio dos meus interesses, para dar atenção aos seus interesses juvenis, você não quer conversar?
– É impossível falar com você, logo você insiste em tornar a coisa toda pessoal, maldição!' Se não podemos conversar sobre algo de maneira objetiva, nós não podemos discutir coisa alguma!
– Por que não?
– Por que você leva tudo para o lado pessoal. A próxima coisa que você irá me dizer é que você conheceu no passado, pelos menos três homens maravilhosos que poderiam construir uma nave espacial com dois tambores de óleo e um aquecedor a querosene, e que te levariam para o cinturão de asteróides fácil.
– Talvez eles pudessem mesmo. Mas você não respondeu a minha pergunta. O que você faria?
– Eu não sei. – disse se levantando da cadeira.
– Aonde você vai?
– Pegar uma cerveja na cozinha. Se importa?
– Você poderia perguntar se eu quero uma também.
– Quer?
– Não.
Foi até a cozinha. Pegou um copo da prateleira do armário. Abriu a geladeira e tirou uma garrafa de cerveja. Tinha o abridor à mão quando foi interrompido por alguns estalos baixos no rádio.
– Dê um jeito nesta estação. ' Disse a esposa. 'Parece que tem algo errado.– Espere um pouco. – ele respondeu.
Então, ao invés da música, ouviu uma voz assustada, falando afobada, a transmissão desaparecia e voltava segundos depois.
– Chamado de emergência... mísseis intercontinentais...hidrogênio...Nova Iorque foi... Londres... Washington destruída... Moscou... acredita-se que...cobalto...
– Você ouviu isso? Ela gritou. 'O que isso significa?
Ele colocou a garrafa sobre a mesa e foi até o armário. 'Significa o fim do mundo. ' Abriu a gaveta de talheres.
– O que faremos?
Ele caminhou de volta a sala de estar, carregando uma faca em sua mão.
– Voltando a sua pergunta, minha querida. Aqui está a sua resposta!
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